Poesia II

Poemas da Irmã Maria Antónia Quinteiro, rscm

GAILHAC SONHOU

 Como mãos dadas em jeito de ser,
 a Vida nasceu!
 E eu, bem dentro do sonho,
 sinto e percebo
 a força do Corpo que é meu.
  
 Acolho e vou …
 O caminho jamais se fechou!
 Vou!
 Há muito a semear,
 fronteiras a abrir,
 torres a derrubar,
 pontes a construir.
  
 É tempo de recriar
 e continuar a sonhar!
 O coração não morreu,
 os pés poderão andar,
 é questão de caminhar,
 porque a Vida é para dar. 
GUARDAR NO CORAÇÃO
  
 Coração, espaço de encontro,
 de intimidade,
 fonte do ser e do querer.
 Raiz do dom,
 do entregar-se sem condições.
 Energia que anima e dinamiza,
 paz que escuta 
 e guarda com sabedoria.
  
 O coração sabe “cuidar”,
 contemplar ativamente, 
 descobrir novidade
 no misterioso olhar de Deus.
  
 Maria guardou no coração 
 acontecimentos e palavras,
 luzes e sombras,
 alegrias e tristezas.
 Guardou, não fechou,
 porque fechar é esconder,
 e talvez deixar morrer.
 Guardou! Tocou com amor,
 expôs tudo à luz, 
 ao calor do SOL.
 Deixou iluminar, 
 aquecer com ternura,
 e então percebeu! 
ESPAÇO

 Uma janela,
 uma flor,
 uma intimidade aberta 
 em casa simples e pobre!
 Lugar de anunciação, de visitação, 
 e de abertura à comunhão e à esperança. 
É PRIMAVERA

 Veste-se a terra de festa,
 frescura, movimento, cor,
 música  simples e pura
 impulso, força, vigor
 certeza que nos faz crer
 num constante renascer.
 É Primavera!
 Tudo vai desabrochar!
 Um mistério de união
 abre-nos o coração
 desafia a sonhar!
 Sonhar a dança da VIDA
 que jamais pode parar;
 passo a passo, mão na mão,
 entrar bem dentro do mundo,
 um campo vasto, profundo,
 purificando a visão.
 E olhar…
  
 Tocar o rosto magoado
 de quem não é convidado
 para a mesa da Esperança.
 Dizer-lhe com alegria:
 Chegou o dia, avança!
 Escutar de perto a voz,
 no longe que às vezes tem,
 dos silêncios prolongados
 nunca ouvidos por alguém.
 Segredar-lhes com ternura:
 a festa é vossa também!
 Estamos convosco aqui!
 Demos as mãos p’ra dançar!
 A Primavera vai chegar. 
DEUS

 Na melodia do silêncio
 ouço a “Palavra”, sem palavras, 
 que “Te diz”.
 Na suavidade da brisa 
 sinto a leveza de Teus passos 
 tocando o solo que eu piso.
 És ternura, feita carne, 
 a percorrer o meu caminho.
 Impercetível, 
 abraças a terra que criaste.
 És mistério que se dá, envolve e chama!
 Acolhes, em Teu seio, a nudez do finito 
 e no vazio geras VIDA.
 És a Fonte e a Corrente,
 o Longe e o Perto,
 a Origem e o Fim. 
NAS ASAS DO SONHO

 E na alegria de ver
 Sementes a germinar
 Prossigo a aventura do sonho
 Enquanto é tempo de dar.
 Rio, louvo, espero, amo
 Abro janelas ao vento
 Repito, baixinho, este canto:
  
 É urgente acreditar!
  
 Reabrir a fonte de ser
 E sonhar, sonhar ...
 Nascer em tons de alvorada
 Abraçar a terra e mar
 Semear VIDA em mão dada
 Com o mundo, em mim, a girar.
 Escutar dia e noite, sol em cada amanhecer
 Regressar, para beber, e não deixar de sonhar! 
PÃO

Pão
 é grão, terra, água, caule, folha e fruto.
 É cor verde, dourada, queimada, ressequida.
 Alegria e dor, vida e morte
 várias mortes para dar VIDA:
 morre a semente, o caule, o fruto 
      que em farinha se transforma... 
 farinha amassada e cozida pelo calor... 
 para ser comida.

 Pão
 é mão humana que semeia, trata, colhe, 
 transforma e come:
      esperança e desencanto, energia e cansaço
      sol  e chuva, dia e noite, partilha e recusa, 
      abundância e fome, entrega e indiferença,
      força e fraqueza, riqueza e pobreza.

 Pão
 sou eu que estou aqui:
      é parte de mim, do meu ser total,
      físico, psíquico, espiritual.

 Pão
 somos nós que vivemos juntas:
      mãos que se dão ou se recusam
      corações abertos 
      ou tristemente fechados.
      Olhos luminosos ou sombrios
 pés em movimento 
 ou simplesmente parados.

 Pão
      é cadeia interminável de gente
      que vive a cantar
      ou subsiste e morre a chorar
      neste belo planeta azul 
      onde há luz, música  
      e aves a chilrear...

 Pão
      é sinal visível da VIDA 
      em Cristo Jesus,
      Pão Vivo descido do céu 
      para saciar todas as fomes.